(S03E13) Exército de um só homem


Escrito por David Chase e Lawrence Konner e dirigido por John Patterson, Army of One é o 39º episódio da série original HBO, Família Soprano, e o último da terceira temporada, foi ao ar originalmente em 20 de maio de 2000. 


Referências do título - "An Army of One" era um slogan usado nos anúncios de recrutamento do exército dos EUA no início dos anos 2000, e foi discutido pelos Sopranos quando se reuniram com oficiais da escola militar para a qual consideraram enviar AJ.

O slogan pretendia apelar ao individualismo da geração que atingiu a idade adulta no início dos anos 2000, uma geração mais propensa a recusar noções de uniformidade e conformidade do que qualquer geração americana anterior. Esse título tem muita ressonância em Jack Jr, que estava sozinho contra o mundo tentando mostrar seu valor, e AJ, por ser um adolescente típico alienado e ameaçando seguir o mesmo caminho de Jack. 

Ob: Podemos ver a mesma falta de preparo de AJ em relação aos estudos e a vida com Jack jr, tanto no jogo de  tabuleiro de Scrabble com Meadow e depois com a garotinha no jogo de  xadrez. E o tempo todo fica claro a estupidez de Jack em se esconder em um condomínio pobre violento de negros, sem perceber que seria o centro das atenções e que um possível assassinato em um local como esse levantaria imediatamente o tema das drogas, ou seja, seria perfeito para a máfia.


Em uma cena quando Jackie tenta mover seu peão mais de duas casas, vemos um reflexo de sua ânsia de subir na vida de forma rápida, quebrando as regras. Acostumado com a criação de luxo e bajulação - por ser filho do chefe -  não suportava a vida do ser humano comum ("enxaguar pratos?"). Quando Ray Ray observa: “Você está acabado”, entendemos que isso se aplica à própria vida dele, bem como à simples partida de xadrez. Jack esmaga o tabuleiro por frustração, não querendo deixar o jogo acontecer para que ele possa perder, ao que ouve "Você devia ter jogado. É o único modo de aprender". Ante o caminho longo e duro de tentar uma segunda faculdade, ele escolheu o caminho curto e aparentemente fácil da máfia, comprometendo sua vida. Mais diretamente, também podemos entender que o roubo de um carteado ligado a Ralph foi um erro estúpido e uma quebra das regras da própria máfia


Mais um paralelo entra as vidas de Jack jr (filho do ex chefão) e AJ (filho do atual chefe) é magicamente realizado através da cena  em que  Tony deve atender uma ligação de uma Carmela aos prantos. Nós, como Tony, achamos que Carm está ligando com as más notícias sobre Jackie. Mas não…a câmera corta para a casa dos Sopranos e circula ao redor para revelar que o telefonema era sobre AJ ser expulso permanentemente da escola.


No finalzinho do último episódio ouvimos músicas italianas numa cena que se prolonga de maneira estranha, enquanto um tio Júnior emociona a todos com sua interpretação. E o episódio termina com o fim das músicas e uma tela preta (não tanto do modo abrupto como no último episódio) e uma música de trilha onde podemos ouvir algo similar a um tic que se repete, marcando a noção de tempo.

Como na última temporada, o Budismo aparece na série (através de Gloria Trillo). É interessante ver a noção de karma que permeia o enredo. De modo geral, podemos perceber uma relação direta entre um mal que ocorre a um personagem, como sua a morte, com uma atitude prévia negativa dele. Mas nessa temporada e principalmente no último episódio, podemos ver algumas relações com eventos futuros.

Fica claro o clima de encerramento, após o enterro de Jack jr, encharcado nas lágrimas de vários personagens, em um clima de despedida, podemos considerar o fim da época de vacas gordas de toda máfia pertencente a família Soprano.

- Tony estava ligado diretamente a morte de Jack jr através da pressão que fez em Ralph. Aqui vemos Tony melhor do que nunca, levando mensalmente montantes de dinheiro para ser lavado com o russo Slava e, no último episódio, recebe 300 mil do projeto Esplanade (em contraste com sua crise financeira que ocorrerá na última temporada). Também aqui ele acumula dinheiro de apostas através de sua gangue (na sexta temporada, ele será o apostador perdedor que corre atrás do resultado para e compensar perdas e se afoga cada vez mais). 

- Ralph influenciou negativamente Jack jr para o mau caminho; vimos como ele era astuto simulando a ligação de Tony com Vito (para sair da reunião). No futuro, Ralph continuará com suas artimanhas (como com o incêndio que matará a égua dele e de Tony para receber o seguro).

- Paulie deixa clara sua insatisfação com Tony e se abre com Johnny Sack, dando claros indícios que pode trair Tony por dinheiro (precisava dos 40 mil para colocar sua mãe "no melhor asilo do Estado")

- Silvio ficou do lado de Tony contra Paulie na questão com Ralph. Ele recebeu apenas 12 mil, ante os 50 que julgava ter direito.

- Vito tem sua cena de maior destaque até então (matando Jack). No futuro, ele será a vítima.

- Ralph ordenou o assassinato de Jack jr (com uma bala na cabeça, sem chance da vítima ver o atirador), mesmo sabendo do enorme sofrimento que isso causaria a Rosalie e, mais adiante, sofrerá uma morte violenta; algo similar vai ocorrer com Tony (irá matar seu afilhado/sobrinho Christopher e morrer como Jack jr). 

- Christopher deteriora a relação com Tony ao explodir em raiva por T negar a autorizar a morte de Jack jr e diz a ele que não o ama mais. Depois tentou consertar mas a reação de Tony com ele foi fria.

- Adriana inicia sua relação de amizade com Daniele, uma agente infiltrada do FBI, o que desencadeará muitos problemas para ela (Logo na sua primeira conversa entre elas, Adriana já cita Tony...).

- AJ comete um ato de indisciplina grave (roubo da prova) e, após ser expulso, está totalmente perdido e sem rumo. AJ nunca sai de casa, não amadurece nem se torna independente, e seus problemas só pioram. [Durante essa temporada há um contraste entre a criação de AJ com o modo da criação da filha do corrupto russo Slava]

- Meadow dá um importante passo na perda de sua inocência ao aceitar abertamente que sua família faz parte de negócios ilegais e não só. Inicialmente ela questiona a versão da irmã de Jack, negando um possível envolvimento da máfia na morte de Jack e se zanga com ela por tratar de assuntos da família na frente dos outros. MAS, no carro, com sua mãe, ela, já aceitando que o envolvimento com drogas provavelmente não foi a causa da morte de Jack, coloca a culpa nos pais dele, na forma como o educaram, não em seu pai e na máfia (“A família de Jackie nunca esteve lá para ele… eles o deixaram fazer o que quisesse”). 

Carmela avança também no mesmo caminho de Meadow ao acolher o conceito do padre para focar no lado bom do seu casamento e não passar a linha para o lado que a deixa chateada, deixando totalmente de lado o concelho que recebeu do analista judeu, e escolhe não sentir culpa pelas má ações de Tony. Além disso, ela concorda com o que disseram de Hillary Clinton, no encontro com suas amigas ("...ela ficou com ele e no fim o que ela fez? Fez uma coisa só para ela. Ela pegou tudo de negativo que ele deu a ela e transformou em ouro"). É isso que ela fará com relação a Tony, em vez de tentar salvá-lo, vai apenas usá-lo a seu favor.



O fim desse episódio é considerado um dos momentos mais experimentais e difíceis de decifrar de toda a série: a voz de Corrado cantando a música Core 'ngrato" (Coração Ingrato), canção napolitana de 1911, é “substituída” pelas vozes de três cantoras estrangeiras, uma após a outra, idioma francês (Parlez-moi d'amour, Conte-me sobre o amor), chinês e espanhol. 

Na música, o amante de Catarì  (forma curta do nome Caterina) repreende a garota por rejeitar impiedosamente seu amor permanente por ela; ele implora que ela não esqueça que ele lhe deu seu coração e que sua alma está em tormento; ainda na canção, ele diz que até confessou seus sentimentos a um padre, que o aconselhou a deixá-la.

O título da música vem da passagem 'sincera, Core, core 'ngrato, te haie pigliato 'a vita mia! Tutt' è passato, e nun nce pienze cchiù!', que é aproximadamente "Coração ingrato, você roubou minha vida! Está tudo acabado e você não pensa mais nisso!".



Curiosidades:

A personagem “2 – 5 / 7 – 9” é listada novamente nos créditos, mas ela não é mencionada no episódio. Ela aparece em funerais da máfia ao longo da série.

Ralph faz uma referência ao avistamento de um disco voador sobre East Rutherford. Na verdade, houve relatos de um OVNI nesta área no ano anterior.

Ray Ray dá a Jackie o pseudônimo “Mr. X.” Isso é apropriado, porque X é o que Jackie estava negociando, não crack como Ralph e Tony tentam fazer todos acreditarem.

Johnny Sack diz que escapou de sua esposa para fumar um cigarro porque ela fica brava. Os cigarros vão deixá-lo doente na sexta temporada.

No restaurante Vesuvio, ouvimos Ralph dizer o final da famosa piada sobre um cara que não quer ser curado por Jesus porque não quer perder seus pagamentos por invalidez. Todos riem e Janice sobe em seu colo – o que é um tanto irônico, pois sabemos que Janice recebia por falsas reivindicações de invalidez no passado.

Fairuza Balk apareceu como a agente do FBI que faz amizade com Adriana na exibição original do episódio em 2001. Balk era uma grande fã do programa e aproveitou a chance de interpretar um personagem - mas ela não tinha vontade de fazer um compromisso de longo prazo com uma série de televisão. Então Chase refilmou a cena com a substituição por Lola Glaudini tocando “Danielle” para o DVD e todas as exibições subsequentes do episódio.




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Mais sobre o fim 

Vários comentaristas tentaram interpretar esse final não convencional.  Uma delas seria que o medley final de músicas que abafam a voz de Junior pode significar  que a série está tentando dizer algo sobre certas emoções serem universais.

Em 2005 David Chase, em uma entrevista, desconversou sobre o assunto sobre o uso dos cantores estrangeiros:

"Essa coisa de cantar é sobre como em todo o mundo as pessoas se envolvem em puro sentimentalismo. Todo mundo adora um bom choro. E não pretendo denegrir funerais ou mortes. Também tem algo a ver com entretenimento, entretenimento filmado. A música pode ser usada de forma muito manipuladora. E Junior, que é o personagem mais egoísta do elenco, está abrindo seu coração. Não quis dizer nada. Apenas para mergulhar no momento... A música pop é tão abusada e usada em demasia, manipulada e empregada a serviço do diabo. Foi para dar ao público uma risada sobre como eles estão sendo manipulados todos os dias."